O ENCONTRO
Saí de casa quando a noite já ia longa, praticamente em véspera de madrugada. A lua estava longe, minúscula, quase não se via no céu escuro completamente desnublado. Enquanto caminhava vagarosamente pensava que deveria ter vestido mais qualquer roupinha pois "o tempo" estava frescote, aquela aragem ainda mais acentuava a fescura, e ia remoendo da inconveniente insómnia que me trouxera para aquela noite escura e fria de Dezembro. As luzes de Natal apagadas acentuavam as sombras no escuro das ruas cobertas da humidade nocturna que, apesar de tudo, refletia a mortiça luz dos raros candeeiros ainda vivos. De súbito dei de caras com um gajo sentado num banco de jardim; era gordo, tinha uma longa e farta barba branca, tinha um barrete na cabeça e a seu lado ruminavam duas renas ensonadas e um enorme saco cheio de coisas. Detalhe: para além da barba, que era branca, tudo o resto era vermelho. Eu, que nunca acreditei no Pai Natal, confesso que fiquei meio desconfiado; afinal estamos em Dezembro o carnaval ainda está longe e isto não sendo época de fantasias... queres ver que "ele há coisas?"... Aproximei-me, não receoso mas curioso e perguntei:
-ora viva, então por cá?
-é o costume, todos os anos é a mesma coisa; mas isto já me custa e é uma trabalheira de andar a entregar as prendas, (às vezes engano-me, esqueço-me das moradas e troco-as o que dá uma chatice do caraças). Além disso as chaminés cada vez são mais difíceis de descer e de subir nem lhe conto.
-não me diga.
-é verdade; e quando regresso a casa lá vem a mulher todo irritada: -mas por onde é que tu andaste que vens todo sujo e chamuscado de fuligem...? Meu caro senhor, estou farto de tudo o que é Natal: das músicas, das luzes e dos pinheiros que, depois de mortos, são decorados com luzes e bolas e demais adereços. Estou farto, caro senhor, estou farto!
-Mas nesse caso porque não desiste?
-Ora porquê, porque esta é a única noite no ano em que posso sair de casa sem que a minha mulher queira saber para onde vou e o que é que eu vou fazer. OH, OH, OH