SAIDA À PRESSA!!!
Nem sei bem como foi mas o que é certo é que saí de casa a correr, atravessei a rua sem olhar e katrapum, ficou tudo escuro para mim!
Numa palavra, fui atropelado e morri!!
Logo, logo, ali!
Não houve vizinha que me avisasse;
Não houve guincho de travões que me alertasse;
Não houve, nada, enfim, que me parasse antes de levar aquele porradão que me apagou a centralina.
Morri e pronto!
Acabei prostrado, meio na rua, meio no passeio!
Estranhamente, não senti nada.
Nem dor! Nem medo! Nem … nada, absolutamente nada!
E pensei (penso eu), então isto não dói?
Que raio de morte a minha que nem me doeu…!
É verdade que tinha um “galo” na mona, mesmo por cima do olho esquerdo, mas isso…vais perder tempo com isso? Caga no assunto, pah!
De súbito, apercebi-me que o meu corpo estava rodeado de gente e o meu vizinho Mário (por razões que só ele saberá), abanava-me insistentemente ao mesmo tempo que me gritava aos ouvidos: oh vizinho, oh vizinho…, tá-me a óvir?
Que raio de porra!
Eu não ouvia a ponta de um corno…
Eis senão quando chegam uns gajos vestidos de branco, gritam e correm com toda a gente, (inclusive com o Mário abanador), viram-me de “papo pó ar” e começam a dar-me uns tabefes e uns murros no peito ao mesmo tempo que diziam:
-Eh pá, este já foi…
Ora eu que ainda estava ali, deitado no empedrado e sem responder a todas aqueles agressões, pensei:
-Já fui? Hum! Devem estar a falar de outra pessoa…, se calhar do gajo que me atropelou!
Um dos gajos de branco foi ao carro buscar umas bolachas metálicas e tungas, acertou-me com elas na peitaça.
Não sei o que ele estava esperando, mas o que é certo que não lhe deve ter saído o que ele queria, pois teimou e teimou e teimou enquanto eu dava saltos que nem uma corça.
Oh que caraças!
Eu ali deitado e os gajos sem me darem descanso.
Sinceramente!
Finalmente apareceram os bombeiros, (ainda bem porque o meu vizinho da frente é bombeiro e sempre é um conhecimento que não se deve desprezar, numa altura destas);
Olharam-se todos fixamente, os de bata branca mais os bombeiros mais toda a vizinhança e encolhendo os ombros, uns baldaram-se, os vizinhos desabulharam e os bombeiros agarraram em mim, puseram-me numa maca velha a cheirar a mofo (como é que eu cheirei a porra da maca se já estava morto?), e levaram-me para a morgue do hospital onde me “engavetaram”.
Foda-se! As gavetas da morgue são frias, porra. Mas frias mesmo!
Eu sei que não devia dizer estas coisas, mas de facto, estava lá um fio do car…(ai) do caraças…
Comecei logo a gelar!
Deixei de sentir os dedos dos pés e os pés; os “tomates” nem se fala; e a bochechas do cu pareciam pedras de granito, tão rijas estavam.
Passei lá uma noite inteirinha.
De manhã puxaram-me para fora e um gajo de óculos a tresandar a tabaco olhou para mim, espetou-me uma faca nos peitos e vá de me abrir até ao umbigo.
Entretanto outro diz-lhe: oh pá o gajo patinou ca pancada na mona; deixa lá as vísceras…
Foi aqui que percebi que estavam a fazer-me a autópsia.
Mas eu estava cansado por uma noite sem dormir e acabei por adormecer…
Já não ouvi mais nada.
Até que…
Até que acordei com um intenso cheiro a cera misturado com odores de flores várias!
A cama onde estava deito, até que não era desconfortável, mas todos aqueles cheiros misturados… deixaram-me enjoado!
Sinceramente não gostei.
Mas como não era eu a pagar…, que seguisse a festa.
À minha volta umas quantas cadeiras ocupadas por gente que eu mal conhecia de ver a palminhar lá no bairro.
O meu vizinho Mário mais uns quantos outros, estavam à porta e fumarem e a rirem-se das anedotas que contavam uns aos outros;
Uma velha de quem eu nunca gostei resmungava para quem quisesse ouvir que eu era um antipático, que só falava a quem queria (ora bem), e que nunca lhe tinha pago um cafezito, sequer!
O gosma, um bêbado lá do bairro que estava sempre à espreita de alguém que lhe pagasse qualquer coisa, estava encostado à minha cama (pudera, se não se encostasse, caia), e balbuciava palavras sem nexo.
De súbito o vizinho Mário disse: é meia-noite, pessoal!
Levantaram-se todos e saíram de mansinho.
As luzes apagaram-se e ali fiquei eu, só e abandonado.
Sem nada que fazer, adormeci profundamente!
Já ia alto o sol quando acordei aos solavancos, transportado por uns tipos que eu nunca tinha visto, todos vestidos de negro (não sei porquê lembrei-me do w.smith), que depositaram a minha camita no chão ao mesmo tempo que um padreco falava de coisa e loisas lá da vida dele e que supostamente teriam que ver com a minha.
Acabado o discurso meteram-me numa cave, (sem arejamento nem luz directa), e taparam-na aparentemente para que não houvessem dúvidas de que eu iria ali ficar.
Por cima puseram as flores e debandaram, cada um à sua vida.
E pronto; lá fiquei eu que é onde ainda estou à mais de quatro anos.
Devo dizer que a memória já me prega partidas; já não me lembro bem qual foi a ultima vez que fui à bola, nem quem ganhou o último campeonato;
Não me lembro, também do nome a minha vizinha que de vez em quando ia lá a casa, à noite, para desabafar comigo das coisas que o marido lhe fazia; mas lembro-me que ela só lá ia quando o marido (que era embarcadiço num navio de cruzeiros) estava fora.
Eu sei perfeitamente que morri, mas estou muito melhor!
Já não fumo nem bebo, (colesterol nem pensar) e estou muito mais magro.
Afinal isto de um gajo morrer não é assim tão mau.
eheheheh!!!
