EU, O AMÍLCAR E AS IRMÃS DELE
Nesta minha (quase) forçada ausência estive uns dias no “meu quintal” de adopção onde encontrei um velho amigo: o Amílcar!
Tenho que dizer que me lembro dele ainda novo, quando corria montes e vales, sempre bem disposto e sem se conter, gritar a plenos pulmões a felicidade que sentia por poder andar à rédea solta.
Por me recordar de tudo isto foi com algum pesar que o vi triste e cabisbaixo, olhando o chão que pisava, alheado do que o rodeava. E chamei-o:
-Amílcar!
Só à segunda me olhou, um olhar mortiço, vazio…! Acho que nem me reconheceu.
-Amílcar, sou eu pá, o Kok! Estás bom, pá? Hein?!
Esboçando um arremedo de sorriso que, apesar de tudo também se reflectiu no olhar, balbuciou:
-Olá, Kok! Há muito tempo que não te via, pá.
-Pois é. Então, como tens andado? Estás um bocado em baixo, parece-me.
-Pois estou. Estou praticamente sozinho, pá! Só tenho as minhas irmãs. Mas elas são umas cabras, pá!
-Sozinho? Então?
-Então, o meu pai morreu de cansaço da vida que levava. Andava sempre atrás das gajas como tu sabes. A minha mãe foi raptada e depois assassinada por uns gajos que vieram de fora e que depois fugiram; nunca mais ninguém os viu. Os meus tios e primos desde aquela vez que foram à feira de Odemira, emigraram ninguém sabe para onde. E por isso só me restam as minhas irmãs que nem me ligam nem me têm respeito, pá!
-Mas porquê? Tu trata-las mal…?
-Não pá. É delas mesmo. Não aceitam uma opinião, um conselho…, andam sempre com os cornos no ar. São umas cabras, é o que é! Bem, vou à minha vida. Adeus Kok até outro dia. Gostei de te ver, pá!
-Adeus Amílcar, até à próxima…
E lá se foi ele, cabisbaixo e pensativo fazendo contas à vida e ruminando a pouca sorte que lhe coube. Coitado do Amílcar.
EU O AMÍLCAR E AS IRMÃS DELE
ilustraçõesde: sapo.gifs; www.flickr.com; alcacovas.blogs.sapo.pt