QUANDO EU VI O PAI NATAL
A madrugada já ia alta, seriam entre as 3 e as 4 horas, mais 4 do que 3, quando dei por mim sentado na borda dum passeio de uma qualquer rua da cidade cujo nome não me recordava. Havia alguma neve, o frio era suportável (talvez o alcool ajudasse a disfarçá-lo), mas de chuva nem uma gota. Em redor tudo calmo, silencioso. A leve aragem nocturna mal se sentia e nem uma agulha bulia na quieta melancolia da brancura dos caminhos (outra vez o alcool a toldar-me?). Olhando em redor (evitando movimentos bruscos com a cabeça para não agitar os vapores etílicos) lobriguei ao longe umas luzes piscando acompanhadas do som de guizos. Pensei: estou com visões (devido ao alcool ingerindo)? Mas o certo é que tudo foi aumentando com o encurtar da distância e eis que pára à minha frente um trenó puxado por renas e com um gordo vestido de vermelho rodeado de sacos de juta, pareceu-me que pintados da mesma cor. E diz-me ele:
-Ainda bem que encontro alguém pá. É que estou farto da andar às voltas para entregar as ofertas e nada;
-Anh? digo eu sem perceber puto da conversa?
-Esqueci-me do livro com os endereços e agora estou fo... tramado!
A cabeça latejava-me. Fechei os olhos pensando que quando os abrisse já teriam desaparecido as renas, o trenó, o gordo e mais os sacos. Puro engano; continuavam ali mesmo à minha frente e perante o meu silêncio diz-me ele:
-Tens lume? É que também me esqueci dos fósforos para acender um charrito!
-Ok! dei-lhe lume e fumámos a meias (por acaso um produto de boa qualidade).
-Olha lá, como te chamas?, pergunta-me o gordo.
-Almerindo da Costa mas sou mais conhecido por "brancótinto".
-Deixava-te aqui uma prenda pá, mas tu não tens chaminé..., oh oh oh, e dizendo isto estalou o chicote sobre as renas que num salto arrancaram estrada fora ao som dos gizos e abanando as luzes coloridas.
Na taberna, nessa mesma manhã:
-Tu queres convencer a gente que viste o Pai Natal?, diz o Manel Mecânico.
-Mas tu acreditas nesses merdas, pá?, pergunta o Chico estucador.
-Mas eu vi..., insisto eu; eu vi o gajo e as renas e tudo...
-Òh pá, tu estavas era com uma "ganda bebedeira"...
Já percebi: ninguém me acredita, mas que eu vi, vi!! (ou não vi???)